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Criatividade e arteterapia de abordagem junguiana


A Arteterapia está fundamentada nas capacidades humanas de imaginar e criar. Para Ostrower (1977), a atividade criativa consiste em transpor certas possibilidades latentes para o real, de modo que a criatividade e os processos de criação são estados e comportamentos naturais da humanidade. São naturais, no sentido do próprio e também do espontâneo em que todo fazer do homem torna-se um formar. A criatividade é, portanto, inerente à condição humana:


Todo o processo de criação tem em sua origem, tentativas de estruturação, de experimentação e controle, processos produtivos onde o homem se descobre, onde ele próprio se articula à medida que passa a identificar-se com a matéria. São transferência simbólica do homem à materialidade das coisas, e q1ue novamente são transferidas para si. [...] Formando a matéria, ordenando-a configurando-a, dominando-a, também o homem vem a se ordenar interiormente e a dominar-se. Vem a se conhecer um pouco melhor e ampliar sua consciência nesse processo dinâmico e que recria suas potencialidade essenciais

(OSTROWER, 1977, p. 53)

Nesse sentido, toda autorrealização implica autoconhecimento. E assim como o próprio viver, o criar é um processo existencial que abrange desde pensamentos, emoções, experiências, capacidade de configurar formas, de discernir símbolos e significados que se originam nas regiões mais fundas de nosso mundo interior, incluindo o sensório e a afetividade, em que a emoção permeia os pensamentos ao mesmo tempo em que o intelecto estrutura as emoções. “São níveis contínuos e integrantes em que fluem as divisas entre consciente e inconsciente e onde, desde cedo em nossa vida, se formulam os modos da própria percepção. São os níveis intuitivos do nosso ser.” (OSTROWER, 1977, p.56).


Assim, o ato criativo só se efetiva em cumplicidade com o Self, sua presença e permissão. De modo que, ao otimizar o nível do aprofundamento e conscientização do sujeito sobre si mesmo, a criatividade relaciona-se com a Arte e também com a Psicologia. É dentro desse universo que surge o profissional da Arteterapia, cujo papel é o de buscar estratégias que estimulem a criatividade do sujeito, favorecendo a expressão e a compreensão das próprias emoções. Sua função inclui ainda a lida com os símbolos e imagens intrínsecos à obra.

A Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung, baseada no estudo e no contato com imagens e símbolos interiores como caminho para o desenvolvimento pessoal será a principal base teórica deste trabalho. Jung (1985, p.43) nos apresenta em “A Prática da Psicoterapia”, como uma das bases de seu método de trabalho, a capacidade humana de iludir-se (no sentido de ter fé no mundo interior), de imaginar, e afirma:

O meu esforço consiste justamente em fantasiar junto com o paciente. [...] a fantasia é para mim o poder criativo materno do espírito masculino. No fundo, nunca superamos a fantasia. Existem fantasias sem valor, deficientes, doentias, insatisfatórias, não resta à menor dúvida. [...] No entanto, o erro não invalida a regra. Toda obra humana é fruto da fantasia. [...] como fazer pouco caso do poder da imaginação? Normalmente a fantasia não erra, porque sua ligação com a base instintual humana e animal é por demais profunda e íntima. [...] a imaginação, com sua atividade criativa, liberta o homem da prisão da sua pequenez, do ser “só isso”, e o leva ao estado lúdico .

O funcionamento da psique (psiquismo humano), em sua característica inata para gerar imagens e consciência, foi o foco principal dos estudos de Jung. Por sua capacidade criativa, a psique é o lugar de encontro e diálogo entre o corpo (carne/ligado ao biológico), o instintivo e o espiritual, produzindo vida. Sua tendência instintiva de organização ou reorganização constante, por meio de mecanismos criativos, abre espaço para a autorregulação interior, em que a imaginação fundamenta a experiência. É a imaginação que contém as formas velhas e novas, as histórias para nos aliviar a angústia de viver.


Ao criar, o sujeito percebe-se como um ser único, através da materialização dos símbolos visíveis na obra. Mas de onde vêm as imagens criadas? Surgem da consciência, didaticamente dividida numa parte consciente e noutra inconsciente. É desta última que brotam as imagens, que quando passam a existir (ex sistir – estar fora de) podem então ser percebidas pelo sujeito, proporcionando a tomada de consciência de aspectos antes obscuros. Nesse sentido, a Arteterapia é um dos meios que possibilita a confirmação da realidade criativa dinâmica e atemporal da psique, em especial, do inconsciente.

Para Jung, o inconsciente não é apenas o depósito do reprimido e dos desejos não realizados, como afirmava Freud, mas inclui também as marcas das vivências pré-natais e outras muito anteriores, não apenas relacionadas à vida pessoal do sujeito, mas à memória coletiva do ser humano e suas experiências. Foi justamente por reconhecer a criatividade como o processo de dar a vida, que Jung (1985, p.46/47) passou a fazer uso de meios criativos com seus pacientes, fundamentando assim os primórdios da Arteterapia:

Usando esse método [...] o paciente pode tornar-se independente em sua criatividade. Já não depende dos sonhos, nem dos conhecimentos do medido, pois, ao pintar-se a si mesmo – ele está se plasmando. O que pinta são fantasias ativas – aquilo que está mobilizado dentro de si. E o que está mobilizado é ele mesmo, mas já não mais no sentido equivocado anterior, quando considerava que o seu ‘eu pessoal’ e o “seu self’ eram uma e a mesma coisa. Agora há um sentido novo: seu eu aparece como objeto, como objeto daquilo que está atuando dentro dele.

Essa apropriação da pintura como linguagem pelo paciente, o faz passar da passividade para a atividade, pois ao representar coisas que antes via passivamente, elas se transformam num ato seu. O paciente não se limita apenas a falar do assunto, ele também o vive. Isso gera uma mudança psicológica incalculável, pois a sua fantasia já não lhe parece mais desprovida de sentido. E ele aceita a sua realidade interna, bem como a necessidade de expressão. A partir desse pacto profundo, novos paradigmas emergirão.


Outro fator importante na Psicologia de Jung é a ênfase dada ao processo de individuação, que significa, grosso modo, “tornar-se si mesmo” A individuação é um processo contínuo que vivemos ao longo da vida, e que se traduz na vivência de certas experiências arquetípicas que guardam em si um caráter numinoso e sagrado.


Em “Teatro e Terapia” (ROCHA, 2005), vemos que os arquétipos representam padrões da natureza humana. E assim devem existir tantos arquétipos quanto situações típicas na vida relacionadas ao nascimento, renascimento, morte, poder, magia, heroísmo, infância, Deus, demônio, sabedoria, gigante, árvore, sol, lua, vento, fogo, rio, armas etc. Para Jung, a busca por “tornar-se si mesmo” implica na vivência e assimilação de vários desses arquétipos, dos quais, destacou persona, sombra, anima e animus, e Self, abordados segundo uma correspondência dual relativa à polaridade inerente aos conteúdos psíquicos. Se o trabalho do psicoterapeuta é o de permitir que o cliente entre em contato com os conteúdos inconscientes, será justamente por meio das imagens, símbolos e arquétipos emergentes que o processo arteterapêutico se dará. Seu trabalho é ajudar o sujeito a encontrar um significado simbólico e incomum à consciência, remetendo-o a um compromisso com a existência. Neste sentido, temos que a psicoterapia e a Arteterapia convergem na mesma direção, buscando estimular o sujeito a buscar significado e sentido para a sua vida.

O texto acima foi retirado e adaptado de Arteterapia na adolescência da mulher - Um estudo de caso, Monografia de Estágio Supervisionado em Arteterapia apresentado ao Curso de Pós-Graduação em Arteterapia em Educação e Saúde do Instituto Saber, como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em Arteterapia aplicada à Saúde e à Educação, de Anasha Gelli e Andreia Maria Lima de Sousa, em 2009.

Anasha Gelli

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